sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Salários congelados e reformas penalizadas

Função Pública fica sem aumentos em 2010 e perde benefícios. Impostos não sobem. OE reduz défice em 1 ponto percentual e espera fraca recuperação fiscal.


Em menos de um minuto, o ministro das Finanças "cortou" ontem, terça-feira, em vários milhões de euros a despesa do Estado, ao anunciar que em 2010 os funcionários públicos não serão aumentados.


Na proposta de Orçamento do Estado que ontem entregou na Assembleia da República, o Governo aponta para uma redução de 1 ponto percentual no défice público, que em 2009 chegou aos 9,3%, um valor recorde na "era" pós-euro. Mas esta redução será em grande parte feita com medidas de contenção junto da Função Pública.


Respondendo às "recomendações" de algumas casas de "rating" e até de organismos internacionais (como o FMI), o Governo fez uma proposta orçamental que congela os salários dos funcionários públicos; cativa parte do dinheiro reservado a despesas com pessoal e de investimento; e trava a corrida às reformas antecipadas na função pública, antecipando para 2010 o agravamento que só devia chegar em 2014. Os sindicatos reagiram com indignação e prometem luta acesa.


"Confiança" foi a palavra escolhida por Teixeira dos Santos para definir este OE que ficará também para a história como um dos que mais tarde chegou às mãos do presidente da Assembleia da República e que mais tardou a ser apresentado. Esta confiança é dirigida às famílias e empresas (traduzida na manutenção dos apoios e estímulos à economia) e também aos mercados internacionais. Sem contar com um aumento da receita fiscal - que deverá subir apenas mais meio milhão de euros em 2010 -, a consolidação orçamental esperada pelos mercados é feita pelo corte radical, mas não estrutural, da despesa.


Aumentos zero e pensões penalizadas


Os preços devem subir 0,8% em 2010, mas os salários dos mais de 700 mil funcionários públicos não acompanharão sequer a inflação. Ontem Teixeira dos Santos desfez o tabu e anunciou que não haverá qualquer actualização dos salários. A subida de 2,9% que tiveram em 2009 acabou por dar margem de manobra ao Executivo para avançar para o congelamento - uma medida certamente aplaudida fora de portas mas que internamente irá provocar forte contestação.


Entre as medidas de contenção da despesa conta-se ainda a antecipação da convergência com o regime geral da Segurança Social da penalização para os funcionários públicos que optem pela reforma antecipada. As regras em vigor previam que até 2014, a penalização fosse de 4,5% por cada ano de antecipação face à idade legal para a reforma. Mas afinal, a partir deste ano, passa a ser de 0,5% por cada mês de antecipação.


Em 2010 vai intensificar-se a regra de uma admissão por cada duas saídas de funcionários para a reforma, e o objectivo é que haja uma entrada sempre que haja "pelo menos" duas saídas. Esta alteração permitirá cativar em 1,5% as verbas destinadas ao pagamento de salários. Igualmente cativas (e que por isso não podem ser contabilizadas para efeitos do défice) ficarão 40% das verbas destinadas a estudos, pareceres e consultorias.


Com estas medidas e sem aumentos de impostos, o Governo compromete-se a reduzir o défice de 9,3% para 8,3% e a manter alguns apoios à economia (empresas e famílias). Teixeira dos Santos justificou que a vertiginosa subida do défice em 2009 se deveu à magnitude da crise.


Apesar de ter uma previsão para a taxa de desemprego mais optimista do que alguns organismos internacionais, o Governo conta, ainda assim, com uma recuperação do consumo privado. Do lado da receita fiscal, espera uma subida modesta (cerca de 500 mil euros) e coloca o IVA como o imposto que mais vai recuperar em 2010. No IRC conta com uma quebra da receita, apesar da previsão do Governo partir do princípio que o pagamento especial por conta se mantém.


Reembolso do IRS em 20 dias


As alterações fiscais deste OE são mais em quantidade do que em qualidade. Isto é: prevêem-se várias mudanças, mas o seu impacto no bolso do contribuinte será reduzido - excepto no que diz respeito ao agravamento da tributação dos prémios dos gestores (de todos e não apenas da Banca) e na maior limitação à utilização dos benefícios fiscais pelas empresas.


Em sentido inverso - favorável ao contribuinte - estão as mexidas no Imposto de Selo. De fora deste Orçamento ficou uma medida que já era dada como adquirida e que chegou a ser admitida pelo Governo: a possibilidade de os casais poderem entregar a declaração do IRS em separado. Em 2010, os contribuintes poderão ainda contar com o incentivo ao abate de veículos e com o alargamento das deduções à colecta a obras que promovam a eficiência energética. O reembolso do IRS em 20 dias fica também já prometido.


Menos IVA mas carros mais caros


A proposta de OE poderá ter impacto significativo no comércio automóvel. "Desce" o IVA (cerca de mil euros num modelo médio), mas sobe o ISV e, feitas as contas, tudo indica que os carros ficarão mais caros, especialmente os modelos a gasolina com mais de 1300 cc de cilindrada.


Basicamente, a proposta limita, de acordo com as emissões de CO2, os incentivos ao abate e determina que o cálculo do IVA passe a ser feito sobre o preço-base e não, como até aqui, sobre esse valor acrescentado do Imposto Sobre Veículos (ISV). Se no primeiro caso se pode antever um forte impacto negativo entre os carros a gasolina, já no segundo resta saber qual a posição que vão assumir os importadores relativamente à substancial descida de preços que poderá implicar.


No caso do novo Astra 1.7 CDTI comercializado a semana passada, por exemplo, o IVA passará a aplicar-se sobre o preço-base de 18 046 euros e não sobre os 23 389 euros resultantes da soma do ISV. São cerca de mil euros menos, que o importador nacional poderá, ou não, vir a reflectir no preço final.


Esta alteração do cálculo do IVA é reclamada pelo sector há décadas e foi mesmo imposta por Bruxelas, já que fazia incidir um imposto sobre outro imposto. O consumidor poderá, assim, vir a ser fortemente prejudicado, em vez de ver descer o preço dos carros, enquanto, o Governo, por seu lado, compensa os cerca de 700 milhões que prevê perder em IVA com o aumento do ISV resultante do aperto, em 10 gramas por quilómetro, dos escalões utilizados para o cálculo deste último imposto.


Quanto aos incentivos ao abate, vão manter-se até ao próximo dia 31 de Dezembro, mas apenas para carros com emissões de CO2 inferiores a 130 gramas por quilómetro, o que exclui grande parte dos carros médios a gasolina e a maioria dos restantes com motores de cilindrada superior a 1300 cc. Há incentivo, por exemplo, para um Peugeot 207 1.6 HDi que custa cerca de 20 mil euros, mas já não há para o mesmo carro equipado com propulsor a gasolina que tem um preço de tabela de cerca de 14 mil euros


FONTE:


Sem comentários:

Enviar um comentário