segunda-feira, 18 de abril de 2011

Governo deixou fugir 5,8 mil milhões de impostos

Auditoria da IGF revela saneamento de 4,3 mil milhões de dívidas fiscais, em 2009. Nos dois anos anteriores, prescrições tinham somado 1,5 mil milhões. De 2007 a 2009, o Governo de José Sócrates anulou ou deixou prescrever um total de 5,8 mil milhões de euros em impostos, o equivalente a 3,4% do produto interno bruto. Um montante que o Estado perdeu a possibilidade de cobrar e que corresponde a quase dois pacotes de aumento de impostos como o lançado para este ano no âmbito das medidas adicionais ao Programa de Estabilidade e Crescimento. Só em 2009, a dívida extinta por prescrição ou anulação somou 4,3 mil milhões de euros, segundo uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) ao desempenho dos serviços de finanças, a que o Diário Económico teve acesso.


Confrontado com estes números, o Ministério das Finanças, que tutela a IGF, começa por dizer que o valor "está errado", mas não adianta outros números, remetendo para a próxima semana o fornecimento dos dados solicitados pelo Diário Económico, nomeadamente o montante das prescrições e anulações, em 2009. Segundo a Conta Geral do Estado de 2009, um documento da responsabilidade do ministério de Teixeira dos Santos, aqueles valores ascenderam a 1,1 mil milhões de euros, mas as conclusões da auditoria IGF indiciam agora que podem ser muito superiores. A tutela argumenta ainda que a fonte de informação utilizada pelas Finanças não é mesma que foi usada pela IGF. "Os dados não foram fornecidos pelos serviços competentes da DGCI, mas obtidos pela IGF em cada um dos serviços regionais da DGCI, bem como de estimativas dos auditores", frisa fonte oficial das Finanças. Os 346 serviços de finanças do (SF) país foram passados a pente fino pelos inspectores da IGF que acabam por apontar as execuções fiscais como a "principal área crítica". Os resultados comunicados às Finanças dão ainda conta de uma mega operação de saneamento de 4,3 mil milhões de euros de dívida (dos quais 1,4 mil milhões de processos de execução fiscal). A dimensão do montante de perda de receitas fiscais é ainda maior se somarmos a dívida que o fisco deixou prescrever em 2007 e 2008: 1,5 mil milhões de euros. "Há largos anos que a área das execuções fiscais vem constituindo o sector mais crítico dos SF, não só pelos elevados saldos de processos e de dívida, mas também pela falta de capacidade, apesar dos meios investidos, de se conseguir a sua normalização", conclui o relatório da IGF à avaliação do desempenho dos SF no biénio de 2008/2009. E salienta que continua válido o diagnóstico feito em 2007 (ver texto ao lado).


Cobrado 23% de dívida extinta


A IGF aponta que, em 2009, a dívida extinta no conjunto dos SF do continente, ascendeu a 5,5 mil milhões de euros. Deste montante, só 23% (1,27 mil milhões) foi extinta por cobrança. Ou seja, cerca de 4,3 mil milhões de dívida (77%) "resultaram de operações de saneamento, nomeadamente declarações em falhas, anulações e prescrições". Montante que daria para cobrir quase metade das necessidades de ajustamento do défice orçamental para este ano (seis mil milhões de redução de despesa e três mil milhões de euros de acréscimo de receita fiscal, previstos no PEC IV).


A anulação de liquidações de impostos ocorre quando o Estado detecta a existência de uma liquidação indevida, por iniciativa própria, através de processo gracioso ou por impugnação do devedor. Quando a razão é do contribuinte, o imposto em falta tem de ser anulado, integral ou parcialmente. Já a prescrição traduz-se num processo mais grave de perda fiscal: é definitivo e pelas piores razões. Um fenómeno que ocorre maioritariamente no IVA.


No relatório de actividades da DGCI de 2009, é reconhecida a prescrição fiscal de 1,5 mil milhões de euros (2007 e 2008). São aí apontadas "irregularidades praticadas a nível local", merecedoras de "alguma preocupação". A DGCI reconhece que as conclusões da última auditoria interna poderão "melhorar a qualidade da tramitação processual e salvaguardar os interesses da Fazenda Pública, a dignidade e o prestígio da Administração Fiscal".


Os fiscalistas, no relatório para o estudo da política fiscal, apresentado em Outubro de 2009, tentam explicar as causas que levam as prescrições nos impostos. Segundo estes especialistas, existe um bloqueio nos processos de crime fiscal. "A criminalização de tudo acaba por absorver os recursos do Ministério Público e dos tribunais", apontando que "a defesa de limiares baixos acaba por ser uma preciosa ajuda aos grandes defraudadores, dado o bloqueamento dos tribunais e o risco acrescido de prescrição". Defendem, por isso, a ideia da procuradora Maria José Morgado que defende "a criação de um tribunal de pequena instância fiscal, com um processo simplificado, para julgar de forma rápida, num prazo máximo de 30 dias, a grande velocidade e em grande quantidade, este tipo de processos, sob pena de prescrição" das dívidas fiscais, cujo prazo legal é de oito anos.


Em 2009, mais de 58 mil processos estavam parados nos tribunais fiscais e administrativos, bloqueando o equivalente a 8% do PIB (14 mil milhões de euros). As Finanças destacam .a evolução ocorrida na área das execuções fiscais, nos últimos anos, com 16 novos sistemas informáticos que dotaram a DGCI de uma nova capacidade de cobrança coerciva. Um esforço, diz fonte oficial das Finanças, que levou a uma "forte erosão da carteira da dívida": diminuiu 50%, de 12,8 mil milhões de euros, em 2007 para 6,8 mil milhões, em 2010.

Fonte:Lígia Simões Diário Económico 13.04.2011

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