terça-feira, 19 de outubro de 2010

A multiplicação das taxas


Mexe? Tributa. Respira? Taxa. Atrasa? Multa. Foge? Caça. Contesta? Penhora. Em 2011, vale tudo. O Orçamento é um tratado de criatividade fiscal e parafiscal. Na faculdade aprende-se a diferença entre um imposto e uma taxa: aquele tem um fim abstracto, esta é contrapartida de um serviço específico.

No Orçamento aprende-se qual é a semelhança: é para aumentar receita. No próximo ano, são mais 402 milhões de euros, para um total de 2,2 mil milhões, incluindo multas e penalidades. O País já tem hoje a mais extraordinária lista de taxas, sobretudo municipais. De vez quando, fica a conhecer mais algumas que aparecem na sopa de letras que é a factura de electricidade. Em 2011, assim será com o aumento de 30% da taxa de televisão.

Há muito mais. O Ministério da Cultura inventou uma taxa para as empresas de telecomunicações pagarem o fundo para o Cinema e Audiovisual, que basicamente servirá para baixar o orçamento de Gabriela Canavilhas. Como se não bastasse, as mesmas empresas de telemóveis vão pagar mais aos tribunais pelo processos de dívidas. O caso é paradigmático: para reduzir a asfixia nos tribunais, o Estado quer afastar os grandes litigantes - as empresas de telemóveis entopem o sistema com milhões de contas por cobrar. Só que estas empresas recorrem aos tribunais porque é a única forma de recuperarem o IVA que já adiantaram ao Estado pelas facturas que, afinal, não foram pagas. Sem uma decisão do juiz de que o crédito é incobrável, o IVA não é devolvido.

A proposta do Orçamento reproduz taxas com a rapidez dos coelhos. Taxas de Justiça e propinas, registo predial, telecomunicações, explorações hídricas e jogos, multas de 100 euros para taxas moderadoras em falta, reforço dos meios para cobrar multas de trânsito, portagens na Ponte 25 de Abril em Agosto, taxas para contratar polícias, tirar passaporte, para lançar fogo-de-artifício.

Esta dispersão de taxas em cima de aumentos de impostos precipita o aumento dos preços de serviços (transportes públicos, energia, telecomunicações, medicamentos). Mas mostra também como o Estado está de metralhadora na mão, disparando de rajada. Esse é um reflexo do atabalhoamento que terá sido fazer esta proposta de Orçamento. O atraso da entrega da proposta seria irrelevante se não fosse a ponta do icebergue. O Ministério já veio reconhecer erros na inscrição das comparticipações para as empresas públicas. Bem como na dotação de 587 milhões de euros para a Ascendi (consórcio Mota- -Engil e BES para as estradas) que afinal não o é - é para a banca. Para o BES e para a Caixa, por reequilíbrios financeiros relativos a estradas que financiaram em PPP há quase uma década, depois de acordos de há quatro anos que ninguém conhecia.


Importa-se de repetir? 587 milhões de euros que ninguém conhecia nem ficou a perceber? Os armários do Orçamento estão cheios de esqueletos. Qualquer dia teremos o BPN, que é o "Onde está o Wally?" do Orçamento para 2011.

Negociar esta proposta de Orçamento no Governo deve ter sido um inferno para o Ministério das Finanças. Nada que se aproxime, no entanto, do que ele é para os tributados. Por cada submarino, reequilíbrio financeiro de uma PPP ou por cada BPN, aparece uma necessidade de receita. Ou vai ou taxa.



Director do Jornal de Negócios

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