quarta-feira, 22 de abril de 2009

Socialistas isolados no enriquecimento ilícito


PSD, PCP e BE insistem na criação de novo crime, como reclama o procurador-geral da República. Divergências entre sociais-democratas dificultaram elaboração da proposta.

Um passo de cada vez, diz Francisco Louçã. Primeiro, o fim do sigilo bancário; a seguir, a criminalização do enriquecimento ilícito.

Para Louçã, a derrogação do sigilo bancário é "pré-condição" para dar eficácia a uma lei que vise o enriquecimento ilícito: "Queremos, a partir da informação bancária, criar um mecanismo para identificar desvios significativos entre essa informação bancária e a declaração fiscal", explica ao Expresso. Provada essa discrepância, cabe ao contribuinte explicá-la - e neste contexto o BE cria o crime de prestação de informações falsas ou recusa de prestação de informação, além do crime de enriquecimento ilícito. Na proposta do BE, a pena é agravada para os políticos e funcionários do Estado - "as pessoas que têm um poder do Estado que possa ser utilizado para alguma forma de favorecimento e corrupção", diz Louçã.

Com a oposição a cavalgar o combate à corrupção e criminalidade financeira, o Governo não teve remédio senão incluí-lo na sua agenda. E na do último Conselho de Ministros. Quinta-feira, dia em que a AR debatia e votava sete propostas do BE, o Executivo tentou esvaziar o discurso à oposição, legislando sobre o assunto. Ao mesmo tempo, o PS mostrava abertura a três iniciativas do BE - além do fim do sigilo, a maioria aprovou um projecto que taxa a 105% os prémios excepcionais dos administradores das empresas (75% para quem recebe o prémio, mais 30% para quem paga), e outro que limita os vencimentos dos administradores de empresas subsidiadas ou participadas pelo Estado, obrigando igualmente à sua divulgação pública.

Mas o voto favorável do PS à proposta do BE sobre sigilo não significa que a ideia avance como os bloquistas a colocaram. O texto baixou à comissão especializada, e é aí que tudo se vai decidir.


O debate que se segue
Apesar das muitas dúvidas, no sigilo bancário é possível que a maioria encontre terreno comum com a oposição de esquerda. No enriquecimento ilícito é que não há entendimento. Os socialistas rejeitam a criação deste novo tipo de crime, medida advogada pelo PGR (ver artigo relacionado), PSD, PCP e BE. Esta semana, a maioria foi tão longe quanto aceita ir: penalizar com uma taxa de 60% o enriquecimento patrimonial superior a €100 mil que os contribuintes não sejam capazes de justificar.


Na proposta que o PSD leva a debate quinta-feira é criminalizada a desproporção entre o património e os rendimentos declarados, desde que esse património tenha sido adquirido de forma ilícita. E fica salvaguardado que cabe ao Ministério Público fazer a prova, não só dessa discrepância, mas de que esse património foi conseguido de forma não lícita, ainda que não seja capaz de provar qual o expediente utilizado. A iniciativa aplica-se a políticos e titulares de altos cargos públicos, durante o mandato e os três anos subsequentes.

Para Rangel, esta fórmula afasta a inversão do ónus da prova. Mas a interpretação está longe de ser pacífica, mesmo no seu partido.


Enriquecimento ilícito
O que é?
Consiste no aumento significativo no património de um titular de cargo público ou político que não é explicável, de forma razoável, à luz do que legalmente aufere. Ou seja, passar de 10 a 1000 sem explicação.

Como se detecta
Uma notícia, uma denúncia ou a constatação, por parte do Ministério Público, à luz do que a Lei prevê, de que o património e o estilo de vida de um titular de cargo público ou político não é consentâneo com o respectivo nível salarial.

Como se processa
O Ministério Público e a PJ têm de provar qual o património que o suspeito tem na sua posse, directa ou indirectamente, cabendo depois ao arguido defender-se, justificando como obteve os bens em causa.

O que tem a favor
Magistrados e polícias reconhecem que, com o actual quadro penal, a obtenção de prova em caso de corrupção e outras formas de criminalidade económica e financeira é extremamente difícil. A tipificação do enriquecimento ilícito como crime é encarada como uma ferramenta útil para atacar uma criminalidade que consideram muito complexa.

O que tem contra
São de dois tipos os principais argumentos contra a tipificação do enriquecimento ilícito como crime. O primeiro prende-se com o facto de já haver legislação para combater o crime económico, que só não é eficaz por questões de operacionalidade e funcionamento do sistema judicial. O segundo prende-se com a inversão do ónus da prova. São vários os especialistas que consideram que criminalizar o enriquecimento ilícito vai levar a que o cidadão tenha de provar a sua inocência - em vez de ser o Ministério Público a provar a sua culpa.

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