domingo, 3 de maio de 2009

Funcionários do fisco processam deputados

Mais de seis mil funcionários do Fisco vão processar o Parlamento junto do Supremo Tribunal Administrativo. A razão é simples: os deputados retiraram aos homens dos impostos o vínculo à função pública, uma modalidade contratual ao Estado que os protege de despedimentos.


Tudo começou a 1 de Janeiro deste ano, com a aprovação do Orçamento do Estado, pela Assembleia da República. "Escondido" na lei do orçamento estava um artigo que retirou o "vínculo de nomeação" na função pública aos funcionários do fisco, reservado, desde meados de 2008, apenas às forças de Segurança, da defesa, da investigação e inspecção, como as polícias.

Os homens do fisco continuam como funcionários públicos - abrangidos pelo contrato de trabalho em funções públicas , mas sem as "regalias" próprias de quem exerce a autoridade do Estado.


Por exemplo, os funcionários do fisco podem ser despedidos "por causas de natureza objectiva, independentes da culpa do trabalhador". O que não acontece com diplomatas, funcionários do Ministério da Defesa ou com agentes da autoridade policial e criminal, como a PSP ou a Polícia Judiciária. Deixam, também, de gozar cinco dias de férias extra, para quem gozasse o descanso anual antes de Abril de cada ano.


Mas porquê processar os deputados e não o Governo? "Quem tira o vínculo não é o Governo, nem o ministro das Finanças, mas a Assembleia da República", explica Marcelo Castro, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Impostos, autor da acção contra o Parlamento.

Estruturas sindicais, como o STI de Lisboa, de Amândio Alves, há meses que preparam acções de protesto. "O Parlamento ao produzir uma norma concreta praticou um acto administrativo e quem deve praticar actos administrativos, por definição, é o Governo", explica Marcelo Castro. Ou seja, "foi a Assembleia da República que nos retirou o vínculo", conclui.


O Governo afirma que as carreiras no fisco estão em "revisão" e afirma que é prematura a conclusão dos sindicalistas. Mas os sindicalistas afirmam que "os trabalhadores admitidos já estão a assinar o regime de contrato em funções públicas".


Duas "castas" na função pública
Na função pública predominam duas modalidades de contratos uma primeira, a de "nomeação", reservada a trabalhadores que estão em órgãos de soberania, como a Defesa, diplomacia ou ainda quem tem funções de investigação (polícias) e inspecção. Este é um regime mais favorável para a estabilidade do vínculo do trabalhador, com mais protecção no emprego.


É aqui que os funcionários do fisco reclamam a reintegração, já que, também eles têm funções de investigação e inspecção. Na estrutura do fisco, há uma direcção de serviços de investigação (fraudes) e todos os funcionários podem ter funções de inspecção. Aos inspectores fiscais é permitido, inclusive dar ordens de prisão. A segunda modalidade de contrato, mais vasta, estende-se a todos os funcionários que não estejam em funções de soberania.


Primeiro processo contra o Parlamento
Um imbróglio jurídico que vai marcar o calendário sindical durante este ano e fazer história nos meios jurídicos. É que na história da democracia portuguesa, é a primeira vez que alguém (singular ou instituição) processa o Parlamento português. Um folhetim que começou em Fevereiro do ano passado e cujo desfecho deverá passar para 2010.


Antes de terminar o prazo para contestação, o sindicato acciona o Parlamento com base no facto de "o acto tributário ser um acto administrativo de autoridade e da obrigação fiscal". E, alegando inconstitucionalidade, é com a base do conceito da "soberania fiscal" que é construída a argumentação jurídica.


Os protestos dos funcionários do fisco foram imediatos. O sindicato dos impostos pede a elaboração da contestação jurídica e decide através do Supremo Tribunal Administrativo uma acção contra os deputados, já que o Parlamento não pode praticar actos administrativos. O que o fez ao aprovar o OE/2009.


No OE para 2009, é dito que, no caso das carreiras em revisão - como sucede com o Fisco -, o modelo jurídico da contratação fica suspenso, "excepto no respeitante à modalidade jurídica de emprego". Assim, o sindicato entende que a passagem para o modelo de contratação geral foi automática em 1 de Janeiro.


No início de 2008, o Governo definiu duas modalidades de contratos para a Função Pública. A primeira a de "nomeação" e outra a de "contrato de trabalho em Funções Públicas". Esta segunda está próxima do modelo jurídico de contrato de trabalho para o privado, o que oferece menos protecção no emprego.

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